Quem não teve um familiar com algum sério problema de saúde, ou você mesmo, e quis conhecer mais sobre a doença. Uma das maiores doenças da humanidade é o câncer, que sempre esteve presente na história, temos indícios de sua existência desde a antiguidade. Em 2010, Siddhartha Mukherjee, um oncologista americano nascido na Índia, lançou seu primeiro livro, O Imperador de Todos os Males: Uma Biografia do Câncer. O livro de 2010 é realmente uma biografia, contando a história desde a antiguidade, passando pelos tratamentos do século IXX, a criação de tratamentos efetivos no século XX, até os mais recentes no lançamento do livro.

Capa do Livro

O Gene: Uma História Íntima é o segundo livro deste escritor, e assim como o primeiro é muito bom. O livro começa contando histórias pessoais do autor, sobre doenças psiquiátricas de origem genéticas em sua família, como as civilizações antigas imaginavam que as características dos pais eram passadas para os filhos. No geral, gosto muito de entender como os antigos imaginavam que as coisas funcionavam, existe uma ingenuidade, como uma criança, e ele conta estas histórias.

Por exemplo: Pitágoras acreditava que o sêmen coletava as instruções para construção de um ser humano percorrendo o corpo do homem e absorvendo vapores místicos de cada uma das partes individualmente. Isto é, os olhos enviavam as características como a cor, os ossos os comprimentos de cada um, e assim por diante. Aristóteles, por outro lado, percebeu que as características femininas também eram passadas adiante, além disso, que características dos avós, que os pais não possuem, também poderiam aparecer nas crianças, mesmo que ausentes em uma geração. Ele chegou muito perto da verdade, já que considerou que na verdade o sêmen masculino transmitia informações que esculpiam o sangue menstrual.

Posteriormente, o livro foca na história de Gregor Mendel e Charles Darwin. Ambos muito citados nas escolas brasileiras, sendo repetitivamente temas de questões de vestibulares. O que eu realmente não sabia, era que as descobertas de Mendel foram publicadas em uma obscura revista chamada Proceedings of the Natural History Society of Brünn. Essa revista foi publicada entre 1861 e 1920, sendo hoje conhecida talvez apenas pelos trabalhos de Mendel. Depois da publicação, seu trabalho foi esquecido, sendo jamais sendo reconhecido em vida. Se você tiver curiosidade pode facilmente acessar a publicação aqui.

Sobre Darwin é interessante notar que apesar da teoria ser atualmente amplamente conhecida e aceita, na época da publicação do livro A Origem das Espécies, onde Darwin propôs sua teoria da evolução, ele não sabia como a evolução acontecia, qual era o mecanismo que fazia com que as características físicas fossem transmitidas. Ou seja, o DNA não era conhecido. Na realidade, os ácidos nucleicos eram considerados uma parte sem graça da célula, sem importância, sendo conhecidos como “moléculas estúpidas”,

Isto apenas mudou na década de 60, com o magnifico artigo (infelizmente o acesso é pago) de 1953 de Francis Crick e James Watson, que demonstrava a estrutura do DNA. Nessa época já sabiam que as informações genéticas estavam nos ácidos nucleicos, devido a experiencias com bactérias, onde bastava que os ácidos nucleicos de bactérias resistentes fossem colocadas junto a bactérias não resistentes que estas adquiriam a característica, logo as informações deveriam nos ácidos nucleicos.

Acredito na importância que o livro dá em relação ao processo de pesquisa, a interação com os outros pesquisadores, que também foram muito importantes para a descoberta do DNA, como Raymond Gosling e Rosalind Franklin. Existe um erro na ciência, talvez propagado pelo prêmio Nobel, que um pesquisador descobre e faz tudo sozinho, o que na realidade não acontece, como dizia Newton: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.”. O prêmio Nobel para piorar, não premia postumamente, o que dificulta em casos onde algum integrante da equipe já faleceu, desta maneira recebe o prêmio pela descoberta apenas quem está vivo na época de premiação.

É interessante notar que com a descoberta do DNA, em pouco tempo foram criadas diversas técnicas para leitura, manipulação, ou mesmo o teste de DNA, que melhorou a vida de centenas de milhares de pessoas. Com o projeto genoma, concluído no começo do novo milênio, temos agora até um mapa do DNA humano. Mesmo considerando que ainda desconhecemos o papel de grande parte de nosso código genético, é um grande avanço para o pouco tempo em que o DNA é conhecido.

Existe também um papel ético, de certo cuidado com as inovações. Um caso triste, que demonstra a pesquisa científica malfeita, foi a morte de Jesse Gelsinger. Tenho que tomar muito cuidado para escrever esta parte, para não falar bobagens, mas resumindo muito, foi um experimento de terapia gênica, onde pretendiam mudar o DNA de uma parte das células do corpo para curar um distúrbio metabólico. Como meio para entregar as alterações às células do corpo, utilizaram um vírus (sim, vírus alteram nosso DNA) de resfriado, o que ocasionou uma resposta imune muito forte do corpo (ao vírus, não as mudanças no DNA).

O livro tem passagens mais felizes, como as descobertas na técnica de DNA recombinante que deram origem a empresa Genentech, que atualmente faz parte do grupo Roche. Com esta técnica foi possível sintetizar substâncias que anteriormente era muito difíceis, por exemplo, a Insulina e o hormônio do crescimento. Outro medicamente importante é o Fator VIII, utilizado por hemofílicos para a coagulação do sangue, antes das técnicas de DNA recombinante a substância era produzida purificando o sangue humano de dezenas de doadores, o que ocasionou um surto de AIDS em hemofílicos na década de 80.

Enfim, recomendo fortemente o livro. O autor consegue explicar temas complexos da medicina com um toque suave, de fácil entendimento aos leitores. Espero que ele escreva mais livros sobre os diversos temas da biologia/medicina.